“Curitiba sem pinheiro ou céu azul, pelo que vosmecê é — província, cárcere, lar —, esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.”
Em busca de Curitiba perdida
Mistérios de Curitiba, Dalton Trevisan, 1968
Wanderlust.
Sob o impacto de uma pandemia, a palavra alemã que virou hashtag no mundo todo não mais se traduz pelo simples “desejo de viajar”, pois para além do sentimento que expressa vem ganhando um novo sentido: o de sintoma clínico.
Levo a fama de ser caseira, meio arredia… quase um Dalton. Por outro lado, sou comunicadora e cineasta de formação, profissões de natureza essencialmente coletiva. Da experiência como redatora publicitária e roteirista, trago a paixão pelo texto. E por conta das vivências no território das narrativas visuais tornei-me fotógrafa de arquitetura e cidades, outro ofício que me desafia a estar na rua.
Meu perfil introspectivo, no entanto, não me poupou do sofrimento que atingiu a todos em virtude do isolamento social. A crise sanitária interditou nossos vínculos mais estreitos com a cidade: a liberdade de ir e vir e de estarmos próximos uns aos outros. Além disso, expôs nossas fragilidades não só diante do poder devastador da pandemia, mas também por aprofundar as diferenças — sociais e de opinião — que já vinham corroendo o nosso senso de cidadania.
Em meio a tantas privações estou saudosa, sobretudo, de Curitiba.
Das muitas viagens que ainda planejo fazer, desejo que o primeiro destino seja a minha própria cidade. Mais que desejo, agora é sintoma: quero nela estar presente, não como formiga cega e refém da mesmice dos seus trajetos cotidianos, mas com a curiosidade e a surpresa de quem aporta aqui pela primeira vez.
É que se o período de reclusão nos trouxe angústias, para muitos também abriu brechas a novas perspectivas e à reformulação de propósitos. Como um antídoto à sensação de impotência, vi crescer em mim o anseio de dispor dos instrumentos que domino para dar visibilidade a causas, iniciativas e empreendimentos transformadores, numa escala realista: a da minha comunidade.
Dentre tantas imagens e enquadramentos possíveis, escolho ser uma “fotógrafa urbanista” e apontar minhas lentes para uma metrópole que, em seu curso de progresso, preze por sua história e sua rica memória. Que cresça de maneira sustentável, com respeito à sua tradição ecológica. Que racionalize os espaços públicos e políticas de mobilidade, sem atropelar todos os modais e modos de vida que a urbe do futuro deve contemplar. Uma cidade moderna, tecnológica e inteligente, em favor de um espaço comum cada vez mais diverso, inclusivo e humano. Que seja democrática e o seja desde já, quando enfim damos início a uma imperfeita, mas progressiva retomada de nossas atividades.
Uma agenda assim pode parecer utópica, inatingível, ousada demais para qualquer centro urbano. Mas se o desejo é o impulso da viagem, cultivar sonhos, traçar planos e agir podem ser os primeiros passos rumo a uma jornada coletiva virtuosa.
Esta é minha estreia no site Prédios de Curitiba, para o qual passo a colaborar como redatora e fotógrafa. A série de artigos que vem por aí dará espaço aos projetos e atores empenhados em ações construtivas para a cidade — da arquitetura ao planejamento urbano, do setor imobiliário ao empreendedorismo social, do patrimônio às smart cities. Também caberá aqui debater e observar os impactos efetivos dessas iniciativas para a qualidade de vida dos curitibanos.
Por fim e muito respeitosamente, ouso discordar do nosso querido “vampiro”, de quem empresto e reinvento a citação que abre esta crônica: viajo a Curitiba que já não é província ainda que por vezes teime em ser provinciana. A que hoje é cárcere, no sentido literal. E aquela à qual sempre retorno, por ser a cidade que chamo de lar.
Curitiba com pinheiro cada vez mais raro e com céu azul cada vez mais recorrente. Curitiba para quem a queira bem — do gringo inglês a pessoas como eu, que não nasci aqui mas sou curitibana desde criancinha. E que neste gradual reencontro com a cidade nenhuma Curitiba seja perdida. Com amor eu viajo…
Fotos – Alessandra Moretti: @alemoretti.foto