O artista Poty Lazzarotto é um dos grandes nomes da arte mural curitibana e paranaense. Nascido em 1924, na cidade de Curitiba, capital do Paraná, o artista plástico Napoleon Potyguara Lazzarotto foi um dos maiores muralistas do país, produzindo, além de murais em madeira, concreto e azulejo, uma imensa gama de gravuras e ilustrações.
Durante toda a sua carreira, o artista buscou enfatizar a identidade paranaense nas diversas obras espalhadas por várias cidades do Paraná, o seu valor artístico se manifesta tanto pela criatividade de suas representações, quanto pelas várias técnicas desenvolvidas por ele. Poty representa em diversas obras as tradições paranaenses, isso pode ser observado até mesmo em períodos em que o artista não se encontrava em sua cidade natal. A obra mural de Poty apresenta de modo detalhado a evolução da cidade de Curitiba, evidenciando suas tradições regionais, seus personagens folclóricos, cenas históricas, a evolução do saneamento básico na cidade, seu sistema de transporte público, o controle meteorológico, além da sua própria vida e imagem. Cabe ressaltar que Poty representava a cidade da forma em que era vista em sua época, não representando a totalidade das populações e culturas pertencentes a edificação da capital paranaense.
Poty, em toda a sua trajetória se dedicou em explorar diversas técnicas, destacando-se no uso do concreto aparente. O mural de Poty marca a transição entre o que se entende como um painel moderno e a produção muralista compreendida como contemporânea, onde apenas o histórico, a integração com o espaço arquitetônico e a sua dimensão não são os únicos pontos analisados para discussão, uma vez que dentro do seu uso convencional ou visto como mero monumento, a arte mural se perde entre o hibridismo da arte de massa, cada dia mais presente nos grandes espaços urbanos.
Uma das principais obras do artista em Curitiba, é o painel “Quatro Estações”, executado em 1984 na técnica de concreto aparente volumétrico, mede cerca de 370 m² e compõe toda a fachada do Hotel Nacional Inn, antigo Hotel Paraná Suíte, localizado na Rua Lourenço Pinto, 458, centro de Curitiba.
O mural, que narra as atividades constantes nas quatro estações do ano, cobre toda a extensão da fachada, formando um bloco único com inúmeros planos. Entre suas representações é possível perceber diversos signos que remetem ao mundo da natureza ou tratam de elementos simbólicos da cultura paranaense. Nele, a proporção não tem preocupação hierárquica dentro do contexto, mas, sim, em relação à composição geral. A mistura dos temas faz alusão à miscigenação cultural e as artes e as tradições regionais aparecem em várias áreas do trabalho. A obra de Poty retrata elementos significativos como o pinhão, a araucária, a gralha azul, a Igreja da Ordem, um trem de ferro, um semeador, um menino e sua pipa.
O mural “Quatro Estações” foi elaborado com 800 placas de concreto e fundido a partir de formas de isopor. Entre criação e montagem do painel, foram necessários 15 meses de trabalho. A técnica utilizada por Poty foi o concreto aparente, técnica esta em que tinha grande domínio e o destacava como artista. O muralismo em concreto aparente é muito utilizado em locais que estão expostos a intempéries e ambientes de grande visitação pública, pois possui alta resistência, além de promover uma integração única com o edifício no qual é aplicado.
O painel “Quatro Estações”, foi encomendado em 1983, pela direção do então Hotel Paraná Suíte para estampar a fachada do edifício. Há relatos que o artista criou em conjunto um pergaminho explicitando o partido de sua obra, documento que desapareceu com o tempo levando consigo parte da história de um dos maiores painéis em concreto aparente do país.
A direção do Hotel Paraná Suíte, decidiu divulgar o empreendimento e foram então realizados três eventos de escalada, como a feita em 1991 por Waldemar Niclevicz, o famoso alpinista paranaense, e mais outros dois campeonatos de velocidade em escalada urbana, que ocorreram em 1995 e 1996. Em 1991, a primeira escalada de Niclevicz no mural do Poty, teve como intuito, chamar a atenção de potenciais patrocinadores em prol da sua participação na expedição francesa que pretendia subir ao Pico Everest.
Niclevicz escalou o mural de 37 metros de altura em exatos 20 minutos, tempo suficiente para que muitas pessoas vissem a sua ação e isso fosse relatado em jornais da época. Em entrevista a imprensa, o alpinista afirmou que essa demonstração teve um grande significado e o ato de escalar a obra serviu como um grande exercício. Com a divulgação de seu ato houve a manifestação do autor da obra, Poty Lazzarotto, que, de acordo com jornais que cobriram a escalada, achou interessante a forma de apelo e brincou que a uma altura de 50 metros tem medo de subir até de elevador.
Com a grande repercussão inesperada da primeira escalada realizada sobre o mural, a direção do hotel decidiu propor campeonatos de escaladas urbanas para promover o seu edifício, que na época não possuía o Shopping Estação como atrativo turístico em sua imediação. A funcionária Lucimara de Fátima Delamuta, na época gerente de marketing, buscou informações de como isso poderia ser realizado e, em parceria com Domingos Gomes Alvarez, que possuía entendimento sobre o esporte, realizaram o I CampeonatoBrasileiro de Velocidade em Escalada Urbana.
Aliado a uma estratégia de marketing, em 21 de março de 1995, o hotel comemorou os seus 10 anos de existência, promovendo o primeiro campeonato de escalada urbana em sua fachada. O evento contou com a participação de 30 atletas, sendo 15 homens e 15 mulheres, competindo em categorias diferentes. A competição foi determinada pelo tempo de subida no painel. Um a um, os competidores tiveram 15 minutos para completar o percurso. O evento obteve grande repercussão, sendo matéria de diversos jornais do estado.
Com o sucesso do primeiro campeonato, a direção do hotel optou por realizar uma segunda edição no ano seguinte, quando ocorreu em 22 de junho de 1996, o II Campeonato Brasileiro de Velocidade em Escalada Urbana. Dessa vez o evento reuniu 48 alpinistas do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, além de dois argentinos. Os participantes tinham 7 minutos para realizar o percurso, que segundo eles foi dificultado nessa segunda edição do campeonato. O evento contou com o auxílio da prefeitura da cidade, que montou arquibancadas para o público assistir a competição, fechou a rua e ofereceu um reforço policial na área.
Em entrevista com a funcionária do hotel, Lucimara Delamuta, ficou claro que os eventos não tiveram preocupação com a integridade do mural em concreto e a maior obra do artista Poty Lazzarotto na cidade de Curitiba. Foi evidenciado o cuidado com a segurança dos participantes durante os campeonatos, que utilizaram todos os aparatos de segurança necessários, além da checagem das peças de concreto, que atualmente estão parafusadas na fachada do hotel.
A partir desses eventos ocorridos, pode-se iniciar uma reflexão a respeito do modo como é vista a utilização da arte em seu meio urbano. As escaladas ocorreram com o objetivo de divulgar e apresentar a importância que o estabelecimento tinha na época com relação à obra, dando assim visibilidade através da mídia.
O mural “Quatro Estações” é uma obra privada, porém se encontra em um ambiente público e de acesso visual a todos. Ainda assim, algumas indagações sobre a promoção dos torneios de escalada são inevitáveis, como a segurança da estrutura utilizada para escalada, se o mural de Poty estava realmente preparado estruturalmente para receber eventos dessa modalidade e também, se a obra não correu o risco de ser prejudicada durante as escaladas.
Em entrevista, com o alpinista Waldemar Niclevicz, questionou-se sobre a possibilidade desse evento danificar o painel e se a obra teria estrutura suficiente para suportar uma escalada sem ser danificado. O alpinista também foi questionado sobre seu modo de ver a relação existente entre arte e usuário.
Em resposta Niclevicz relatou que: “Foi fantástico escalar o painel do Poty Lazzarotto, uma verdadeira simbiose entre o homem e a arte, o espírito do alpinista e a matéria do artista! E não se preocupe com a fragilidade daquele painel, é extremamente resistente, absolutamente nenhuma pequena parte quebrou, o que permitiu a confiança nos lances e assim desfrutar da sensação de liberdade e introspecção que a escalada nos proporciona. ”
Em 1995, o vencedor do primeiro campeonato foi o alpinista Julio Nogueira, finalizando a escalada com 01m07s. Em entrevista ele relatou um pouco de sua experiência com a escalada, respondendo aos questionamentos, como quais seriam os impactos para a obra de Poty. Em sua resposta, alegou que: “Sobre a questão da visão sobre o trabalho artístico e o impacto das escaladas sobre eles percebemos que os painéis do Poty foram muito bem feitos, a construção ficou sólida e a escalada acabou chamando atenção para aquelas estruturas que na época serviam como treinamento no caso da Praça 29 de março e uma grande emoção poder pegar nos retratos da história deixados por Poty, até então não haviam academias de escalada em Curitiba e ao mesmo tempo não se dava muita atenção para os painéis, com o tempo houveram tentativas de se voltarem as atividades na praça mas foi em vão porque por várias vezes as atividades de escalada acabaram esquecidas nestes lugares.”
Nogueira relata com ar nostálgico que aquele foi um tempo que dificilmente retornará e afirma que o artista paranaense Poty Lazzarotto integrou a arte na aventura. O alpinista ainda comenta que assimilavam as figuras representadas no mural como referências no momento das escaladas: “Uma coisa que me lembrei agora foi que ao estudarmos as vias possíveis nas placas, assimilávamos os movimentos de escalada do chão e as referências eram as gravuras do Poty: ’sobe pela catedral pega na roda da carroça e ganha pelo pinheiro…!’”
Ao analisar as colocações dos entrevistados, percebeu-se a preocupação e reconhecimento de seus participantes em relação à obra de Poty. Suas falas evidenciam não apenas a paixão por àquilo que fazem, mas também o orgulho que cada um sentiu ao participar de uma escalada em uma obra de arte.
É através das falas dos esportistas e da própria funcionária do Hotel Nacional Inn, que se pode cogitar sobre os múltiplos papéis que a arte mural pode desempenhar na contemporaneidade.
Talvez, a sobrevivência da arte no espaço público esteja muito mais vinculada ao seu verdadeiro uso, a verdadeira interação com o usuário, do que permanecer sujeita apenas a sua contemplação. Para isso, faz-se necessário analisá-la sem qualquer aura, sem a ideia de uma redoma invisível que separa a obra e o seu usuário.
No caso do mural “Quatro Estações”, a obra se completa ao se integrar ao edifício no qual está inserido. Sua matéria-prima contribui para isso, uma vez que é concreto sobre concreto, parecendo parte da estrutura do prédio. Porém, toda essa integração e a posição que ocupa no espaço urbano o tornam pouco visível ao usuário que transita na frente do mesmo. Ao torná-lo tátil, usável e passível de ser escalado, este assume uma nova significação e é projetado também como objeto de uso, passando a ser visto como parte ativa do cotidiano das pessoas.
Sendo assim, a arte, principalmente aquela que se encontra no meio urbano, muitas vezes pode ser vista por parâmetros diferentes do convencional e participa de algo muito maior, como o alpinista Julio Nogueira relatou, o curitibano Poty Lazzarotto uniu inconscientemente a arte na aventura e propôs a diversas pessoas a emoção de estar em contato com símbolos representados por um grande artista.
Fotografias:
Pedro Pilati (@pedropilati)
Fontes:
CAMARGO, Arildo. MARCOS, Micheline Helen Cot. A poética da cidade
discutida na obra “imagens da cidade”, de Poty Lazzarotto. Curitiba. Centro Universitário Curitiba. 2016.
LIMA, Amanda M. Arte urbana: intocável ou interativa? A língua que habitamos. Academia de escolas de arquitetura e urbanismo de língua portuguesa. 2017
NICULITCHEFF, Valêncio Xavier. Poty: trilhos, trilhas e traços. Curitiba. Prefeitura Municipal de Curitiba. 1994.
PEDROSO, Daniela. Poty: murais curitibanos. Curitiba. Editora Positivo. 2006.