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Carta ao futuro do verbo habitar

por Mayra Abalem

Habitar
verbo

1.transitivo direto e transitivo indireto
ocupar como residência; morar.

2. transitivo direto
prover de habitantes; povoar, ocupar.

Dessa forma começo o texto de hoje, para que possamos levantar em pauta uma reflexão de como será o nosso habitar daqui em diante.

Talvez esse seja o momento de analisar quais são as reais necessidades do momento e
quais são as nossas prioridades.
Longe da distopia que temos vivenciado todos os dias, em um passado não tão distante, nossas rotinas costumavam ser outras. Longe do medo do contágio, sem tantas outras precauções, enfrentávamos a vivacidade e a ferocidade do meio urbano.

Trânsitos, buzinas, manifestações nas ruas, filas comprimidas em restaurantes e padarias, comércio aberto até tarde na esperança das vendas alcançarem as metas no final do mês. Tudo tão comum, agitado e simples, afinal de contas nos habituamos ao tumulto e a correria. Viver e habitar em uma grande capital é assim, e no final da tarde, mesmo cansados, somos gratos por mais um dia.

Se voltássemos a alguns meses, ou a um ano, jamais diríamos que estaríamos vivendo nessa realidade que nos encontramos. Novas adaptações em nosso cotidiano tiveram a urgência de serem feitas, e isso não reflete apenas nos costumes diários que tivemos que aprender, mas em um cenário mais macro como o conviver em sociedade, a própria cidade, e com ela a arquitetura.

A reflexão principal nesse texto é voltada para as adaptações e intervenções que houveram dentro do nosso habitar.
Habitamos em um único dia, nossas casas, nossos escritórios, e simultaneamente dividimos nosso habitar com tantos outros, pois habitamos a mesma cidade, e essa, consequentemente será uma das mais penadas.

Aos que tem o privilégio de poder trabalhar em casa, pequenas alterações já foram notadas. Alguns cômodos da casa tiveram que ser adaptados e ocupados de forma diferente do seu uso inicial proposto, uma mesa de jantar facilmente se torna uma mesa de estudos e de trabalho, sem poder deixar os filhos na escola a sala de casa se torna um ambiente mais vivo, aumenta-se a convivência familiar e a criatividade necessária para as adaptações começarem a fluir.
Nossa realidade mudou de forma rápida e drástica de maneira que transformaram nosso habitar mais íntimo, nosso lar que antes era mais considerado um local de passagem do que permanência, no centro de todas as nossas funções diárias e por consequência dessa mudança, hoje percebemos que as características espaciais das residências afetam a convivência e a nossa vida.
Talvez você não tivesse notado antes como a iluminação e a ventilação são necessárias na sua casa, ou em como seria interessante ter um espaço público privativo que lhe aproximasse mais da natureza. Seria esse o momento em que arquitetos, estudantes de arquitetura e designers deveriam repensar as necessidades do nosso habitar?

Num futuro não tão distante, novas ideias e inovações irão surgir, a arquitetura e o design terão que se reinventar mesmo que em pequenos pontos. Numa escala macro, a cidade também sofrerá intervenções, os espaços públicos não serão os mesmos.
Estamos começando a sentir esse impacto e ainda analisando quais seriam as melhorias necessárias, mas se há algo que está evidente é que nosso habitar já está diferente.

Infelizmente estamos em um cenário catastrófico com muitas perdas, e sobreviver a esse período histórico já é uma grande vitória. Temos que encontrar novas razões para ser otimista, como por exemplo pequenas ações coletivas marcantes ocorrendo na nossa sociedade. Da janela conseguimos ver nosso vizinho tendo a mesma experiência, dessa forma alimentamos o sentimento empático a caminho da evolução.

O conceito de habitar é muito maior e não se limita apenas a nossas residências, mas esta pequena reflexão já é um começo.
Vivemos, possuímos e nos apropriamos. O habitar por fim, revela a nossa existência.

Fotografias: Mayra Abalem / Vinícius Moscato, Aurélio Peluso e Pedro Pilati

Inspirações à reflexão:
Projeto Habitar a quarentena (@habitaraquarentena), idealizado pela arquiteta Camila Thiesen

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