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Edifício Real Plaza Flat

por Diego Minella

TRINTA ANOS DE ESPERA

Com trinta e nove andares e 108 metros, o Edifício Real Plaza Flat Residence se destaca não somente pela sua altura, mas sobretudo pela sua história. Apresentado ao mercado em 1984 pela Construtora HD, seria o mais alto de Curitiba naquela época se inaugurado dentro do cronograma. No entanto, as coisas não saíram como o planejado.

A construção do Flat teve início em 1987, todavia, em 1989 houve a primeira paralisação das obras, pois a Construtora HD entrou em processo de falência. Em decorrência disso, a HD repassou a responsabilidade de finalizar o projeto para a Construerg Construções. A Construerg, entretanto, não deu a devida Continuidade à obra.

Diante disso, no ano de 1994 alguns compradores se organizaram para tentar assumir a frente e concluir o empreendimento com recursos próprios. Foi criada a Comissão dos Proprietários do Edifício Real Plaza, composta pelo Cel. Cândido Alves de Souza, o engenheiro Pompeo Carvalho de Aguiar e outros 94 compradores. Por iniciativa da comissão se deu início a primeira contenda jurídica contra a Construerg.

A pressão do grupo levou a Construerg a ceder, mediante acordo, quatro das suas unidades no edifício e a restituir parte dos valores que já havia recebido dos compradores. Desse momento em diante, a comissão assumiu as obras em conjunto com alguns proprietários. O investimento necessário para conclusão do prédio foi rateado, de maneira que todos deveriam contribuir mensalmente.

Naquela fase, cerca de um terço da estrutura estava concluída, e dessa forma, ainda que não no ritmo desejado, foi possível adiantar a obra até o limite de 49% do total. Porém, no ano 2000 a construção emperrou novamente, dessa vez, em função da falta de recursos financeiros. Ocorre que a Construerg ainda era proprietária de 102 das 198 unidades do edifício e não cumpria com os aportes mensais, fato que desequilibrava o rateio anteriormente firmado.

Alguns anos depois, em 2004, a comissão teve conhecimento sobre o plano de recuperação e término das torres Didi Caillet e Luiz Leão (Condomínio Solar da Nogueira), que passavam por situação semelhante à do Real Plaza. O advogado Luiz Gonzaga Bettega Sperandio, especialista na área imobiliária que estava conduzindo a recuperação das torres, foi então contratado pela comissão para também estabelecer um modelo a fim de viabilizar a conclusão do Flat.

Com a estratégia adotada por Luiz Sperandio, definiu-se que o prédio seria concluído pelo regime de construção por administração, também conhecido como “obra a preço de custo”, prevista a partir do artigo 54 da Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei 4.591/1964). Nesse modelo jurídico, é instituído um condomínio por um grupo de pessoas e estas financiam diretamente a construção por meio de pagamentos mensais a uma determinada empresa, que administra os valores e constrói o edifício.

Os recursos somente são transferidos pelos condôminos mediante prestação de contas do cronograma físico-financeiro por parte da construtora contratada.
Não obstante, ainda era preciso resolver o impasse com a Construerg para arrecadar fundos e continuar as obras do edifício. Nesse sentido, restou ao advogado, como representante da comissão dos proprietários, ingressar com nova ação judicial contra a construtora.

Como consequência, entre 2007 e 2009, os imóveis pertencentes a Construerg foram levados à leilão. Em um primeiro momento, os leilões não atraíram investidores, já que depois de tantos anos não se acreditava que o edifício seria concluído. Somente quando um bloco único com 55 unidades de apartamentos foi oferecido à leilão um investidor de Santa Catarina acreditou no projeto.

Assim, depois de dez anos paralisado, no final de 2010, a partir dos recursos financeiros arrecadados via leilão foi possível recomeçar a construção do Real Plaza. Para tal fim, os condôminos contrataram a Construtora Saint Etienne Ltda por licitação. No ano seguinte, foram feitos estudos técnicos que indicaram a indispensabilidade de readequações no projeto do edifício.

Para esse processo, foi contratada, em 2011, a arquiteta Aline Vieira de Andrade Mattar, que trabalhou em conjunto com o engenheiro Pompeo Aguiar, membro da comissão e proprietário de uma das unidades. Embora nenhuma mudança estrutural tenha sido necessária, como a planta original havia sido concebida em 1984, não havia previsão para instalação de ar condicionado split, câmeras de segurança, cabeamento de TV e internet, as janelas não tinham vedação acústica e a parte elétrica não suportaria a carga utilizada atualmente.

Para se ter uma ideia, foram adicionados 18 pontos de energia em cada uma das 198 unidades. Além disso, todas as janelas das cozinhas tiveram que ser alteradas para se adequar as normas de ventilação dos bombeiros, que hoje são mais rígidas.

Outro desafio foi a instalação dos elevadores, uma vez que o espaço destinado a eles nos anos 80 era menor do que o padrão atual. O condomínio foi obrigado a encomendar elevadores sob medida, fora do padrão, e mais rápidos pois teriam que transportar a mesma quantidade de pessoas no mesmo intervalo de tempo que os elevadores convencionais. Isso aumentou de forma significativa o custo de instalação.

Ainda, em razão da menor capacidade dos elevadores, a Prefeitura obrigou a retirar do projeto o segundo quarto dos apartamentos, a fim de equalizar o volume de moradores com a capacidade dos equipamentos. Com as obras caminhando em ritmo adequado, em 2013, mediante assembleia, o posicionamento de mercado do edifício como Flat Residence, um misto de propriedade particular passível de locação temporária com pouca burocracia e outras facilidades, foi confirmado com 56% dos votos dos proprietários. No ano seguinte, mais proprietários aderiram ao modelo de negócio e 140 unidades foram mobiliadas de forma padronizada.

Cada imóvel possui espaço interno de 44 m², equipado com geladeira, fogão, ar
condicionado no quarto e na sala, e a possibilidade de serviço de limpeza diária se o morador ou hóspede assim optar. Desse modo, em 14 de agosto de 2014, depois de 30 anos do seu lançamento, o Real Plaza Flat Residence foi, finalmente, inaugurado.

Uma espera de três décadas, de muita ansiedade e angústia, que exigiu dos compradores e seus familiares enorme disposição para superar as diversas paralisações e todo o desgaste das disputas judiciais. Importante destacar também que em 1994 o edifício foi invadido até o décimo quinto andar por cerca de 30 famílias, que lá permaneceram até que sua saída fosse negociada naquele mesmo ano.

Outras invasões ocorreram posteriormente, entretanto, de maneira individual e
desorganizada. Ao permanecer durante anos inacabado, o edifício alimentou o imaginário curitibano, fazendo surgir algumas lendas urbanas a seu respeito, uma delas, por exemplo, afirmava que o prédio seria implodido pela Prefeitura. Outra, dizia que o prédio tinha problemas na fundação e estava torto, razão pela qual teria sido embargado.

Houve também um boato de que o edifício estaria acima do limite de altura permitido pela aeronáutica. Essas narrativas chegaram aos corredores dos cursos de engenharia da cidade, onde o edifício virou estudo de caso. Embora criativas, em nenhuma dessas lendas há qualquer correspondência com a realidade. O que, efetivamente, não foi lenda é o fato de a Construtora HD ter vendido um
andar a mais do que estava previsto no projeto. Ao ter conhecimento disso, a Prefeitura retirou do projeto as sobrelojas, e determinou que fossem revertidas em vagas de estacionamento.

Outra curiosidade a respeito do Real Plaza é que, enquanto as obras estavam suspensas, devido a sua altura, o edifício foi utilizado algumas vezes pelo Corpo de Bombeiros para treinamentos que envolviam, entre outras técnicas, o rapel.
Hoje, após seis anos de sua abertura oficial, o Flat tem outros desafios que não apenas o de se manter competitivo no mercado. Localizado ao lado do Viaduto Capanema, o condomínio, assim como os moradores e comerciantes do entorno, lutam para minimizar o impacto dos vazios urbanos existentes embaixo do elevado.

Em frente ao Flat, logo abaixo do Viaduto, está em funcionamento um restaurante popular da Prefeitura de Curitiba. Entretanto, o restaurante que foi inaugurado em 1993 estava desativado até pouco tempo atrás, quando foi reaberto em 2017. Nesse mesmo ano, foi instalado no local um posto de atendimento da Fundação de Ação Social (FAS), e um módulo de apoio da Guarda Municipal. Antes, porém, durante esse período em que o restaurante ficou fechado, devido a não utilização do espaço e à falta de iluminação, o local havia se tornado atrativo para moradores de rua e usuários de drogas, o que fez a região sofrer com furtos, assaltos e acúmulo de lixo.

Do outro lado da linha férrea, com o objetivo de dar uso a um desses vazios, a Prefeitura de Curitiba publicou o Decreto Municipal nº 87, de fevereiro de 2015, que autorizava a construção do Centro de Estudos e Pesquisa da Arte e Cultura Afro Brasileira – Centro Cultural Humaitá.

O Centro Cultural Humaitá não chegou a ser construído, mas atividades culturais eram promovidas mensalmente no local. Contudo, em 2019 a permissão foi revogada pelo Decreto nº 578, que prevê a instalação de uma estrutura para atender ao Programa Armazém da Família.

Texto disponível também no site predioscuritibanos.com

Ficha Técnica

Nome: Real Plaza Flat Residence
Ano de construção: 1987 – 2014
Endereço: Rua José de Alencar, 20, Cristo Rei, Curitiba
Arquiteto: Eli Loyola
Tipologia: Flat/Residencial
Andares: 39
Unidades: 198
Metragem: 13.918,08 m²
Acessos: 1 acesso principal pela Rua José de Alencar
Estrutura: n/i
Esquadrias: n/i
Detalhes: O Flat aceita pets, possui portaria 24 horas, serviço diário de limpeza e
arrumação, unidades mobiliadas, restaurante, piscina, academia, garagem e área comercial no térreo. Oferece em torno de 100 vagas de garagem. Inicialmente, o edifício seria todo envidraçado, no entanto, o projeto foi revisto e tomou a forma que tem hoje.

Fontes:

Tribuna do Paraná.
https://www.tribunapr.com.br/blogs/bebel-ritzmann/depois-de-30-anosreal-plaza-abre-as-portas-com-um-novo-conceito-em-moradia/

Gazeta do Povo.
https://www.gazetadopovo.com.br/imoveis/obra-a-preco-de-custo-podesair-ate-30-mais-barata-b4vmbana6o1yefq3nu3kf2ggc/
Gazeta do Povo.
https://www.gazetadopovo.com.br/imoveis/obras-abandonadasprejudicam-setor-33jmbvgqd454f3m6pfzlfqv66/
Gazeta do Povo.
https://www.gazetadopovo.com.br/imoveis/uniao-dos-proprietarios-foidecisiva-para-concluir-a-obra-ec77gs89vadwgqdzvs8358ytq/
Mirian Gasparin.
https://miriangasparin.com.br/2014/08/depois-de-30-anos-de-batalhasjudiciais-empreendimento-abre-as-portas-como-locacao-temporaria/
Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/6/09/imoveis/2.html
Jus.com.br.
https://jus.com.br/artigos/67980/obra-em-sistema-de-regime-de-administracaopor-condominio-e-acao-de-exigir-ou-de-darcontas#:~:text=A%20constru%C3%A7%C3%A3o%20em%20sistema%20de,de%20admini
strar%20e%20edificar%20a
Tribuna do Paraná.
https://www.tribunapr.com.br/blogs/bebel-ritzmann/comerciantes-emoradores-exigem-solucao-para-problema-do-viaduto-do-capanema/
Tribuna do Paraná.
https://www.tribunapr.com.br/blogs/bebel-ritzmann/comunidade-propoeparceria-a-prefeitura-para-solucionar-problema-do-viaduto-capanema/
Gazeta do Povo.
https://www.tribunapr.com.br/blogs/bebel-ritzmann/comunidade-propoeparceria-a-prefeitura-para-solucionar-problema-do-viaduto-capanema/
Gazeta do Povo.
https://www.gazetadopovo.com.br/curitiba/moradores-de-rua-saoretirados-do-viaduto-do-capanema-c42qhp7gexf6eu4uesbhplyyb/
Gazeta do Povo.
https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/restaurante-do-viaduto-docapanema-servira-mil-refeicoes-por-dia/41322
Bem Paraná.
https://www.bemparana.com.br/noticia/restaurante-revitalizou-regiao-docapanema-dizem-moradores-e-comerciantes#.X9VWdFVKjIU
Centro Cultural Humaitá. https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/revitalize/

Fotos:

Pedro Pilati – @pedropilati

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