VINTE E DOIS PAVIMENTOS DE ABANDONO
No centro de Curitiba, a poucos metros do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na esquina das ruas Alfredo Bufren e Presidente Faria, uma estrutura inacabada de concreto, com vinte e dois pavimentos marcados por pichações e Grafites, chama a atenção daqueles que por ali transitam.
Trata-se do edifício Centro Empresarial Roberto Schiebler construído pela Weber Construções Civis Ltda., hoje inativa. O projeto, aprovado pela Prefeitura de Curitiba em 1992, foi assinado pelo arquiteto Cláudio Antônio Castro De Orte, que o desenhou para uso exclusivamente corporativo com previsão de seis salas comerciais por andar, além de uma ampla galeria no térreo.
A construção do empreendimento teve início em 1996, e apesar da estimativa inicial de entrega das unidades entre 1999 e 2000, a obra, até hoje, não foi finalizada. Entre outras razões, as atividades foram interrompidas em torno de 1998 em decorrência de problemas no empréstimo firmado entre a construtora e uma instituição financeira.
Segundo consulta realizada ao Jusbrasil, site que permite acesso a trechos de processos judiciais, o banco, que tinha o próprio edifício como garantia do empréstimo, ajuizou ação contra a Weber Construções, pois esta teria sido inadimplente no pagamento do contrato. A construtora, por sua vez, argumenta que o banco não teria liberado a totalidade do crédito que haviam acertado, tornando inviável a continuidade das obras.
Mais tarde, a instituição bancária cedeu os direitos dessa dívida em discussão para outra empresa, fato que adicionou mais um agente nesse cenário.
Acontece que antes dessa disputa judicial, algumas pessoas já haviam adquirido imóveis no prédio e, por causa da paralisação das obras, também buscaram o Judiciário com objetivo de receber suas respectivas unidades com a conclusão do empreendimento.
Diante desse quadro, surge um complexo emaranhado jurídico que se arrasta há mais de 20 anos.
Inacabado e sem uso, o Roberto Schiebler tornou-se foco de pichadores e passou a conviver com invasões esporádicas. Em 2015, parte do edifício foi ocupada pelo movimento Ocupação Cultural Espaço da Liberdade (OCEL), que, além de usar o espaço como moradia, promoveu eventos culturais e artísticos abertos ao público. Depois de alguns meses, no entanto, uma decisão judicial determinou a desocupação do edifício, que após procedimento da Polícia Militar, voltou a ficar vazio.
Ainda que a obra tenha sido projetada para uso comercial, a ocupação levanta uma das questões mais importantes em relação as cidades, o problema daqueles que não tem onde morar e, portanto, não tem acesso à moradia, direito social expressamente previsto no artigo 6º da Constituição Federal.
Desde que previsto em lei específica para área incluída no plano diretor, a própria Constituição, em seu artigo 182, parágrafo 4º, autoriza que os municípios exijam do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de parcelamento ou edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo, e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.
Nesse sentido, o município promulgou a Lei Complementar nº 74, de 16 de dezembro de 2009, que estabeleceu incentivos fiscais para recuperação da área do entorno do Paço Municipal, além de instituir o IPTU progressivo para essa região. O edifício Roberto Schiebler encontra-se na área delimitada pela lei, apesar disso, a cobrança progressiva não foi efetivada.
Atualmente, o que seria um centro comercial com 120 salas e escritórios limita-se a algumas vagas de estacionamento no piso térreo. A subutilização do prédio e o aspecto de abandono, evidentemente, causam impactos na vizinhança. Ao conversar com comerciantes do entorno, alguns demonstraram preocupação com eventual queda no valor de seus imóveis e com a falta de informação a respeito da condição física da estrutura. Outros, todavia, relataram que depois de tanto tempo se acostumaram com a situação.
Por último, uma curiosidade sobre o edifício é que, inicialmente, o projeto não previa a construção dos vinte e dois andares. Ocorre que parte do terreno teve que ser cedido à Prefeitura, pois o local seria usado como saída de emergência do projeto Bonde Moderno (VLT), que no centro contaria com uma linha subterrânea. Por essa razão, foi permitido o aumento do potencial construtivo do lote e, consequentemente, o acréscimo do número de pavimentos.
O projeto Bonde Moderno, no entanto, nunca saiu do papel e a área anteriormente cedida pela construtora ficou sem uso. Nessa mesma área, entre a esquina da Rua São Francisco com a Presidente Faria, hoje se encontra a Praça de Bolso do Ciclista, erguida em 2014, resultado de uma iniciativa da ONG Ciclo Iguaçu com apoio comunitário.
Ficha Técnica
- Nome: Centro Empresarial Roberto Schiebler
- Ano de construção: 1996~inacabado
- Endereço: Esquina das ruas Alfredo Bufren e Presidente Faria, Centro, Curitiba – PR
- Arquiteto: Cláudio Antônio Castro De Orte
- Tipologia: Comercial
- Andares: 22 pavimentos
- Unidades: 120
- Metragem: 6.116,24 m²
- Acessos: 2 acessos, um pela rua Alfredo Bufren e outro pela Presidente Faria
- Estrutura:
- Esquadrias:
- Detalhes: vinte e dois pavimentos, dos quais 20 com salas comerciais, ático no 21º e casa de máquinas no 22º.O edifício foi projetado para abrigar três elevadores. Não possui pavimento subsolo para estacionamento.
Fontes:
Jusbrasil. https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6347355/apelacao-civel-ac-1811156-pr-0181115-6/inteiro-teor-12468323?ref=serp
Jusbrasil. https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/837222063/apelacao-apl-15795736-pr-1579573-6-acordao/inteiro-teor-837222071?ref=serp
Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/ocupacao-em-predio-apimenta-a-discussao-d62angkizkirvzlpnspbchm7w/
Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/centro-tem-dezenas-de-imoveis-abandonados-9l2smq5cbdtj7lpl3vb3cl4r2/
CAPASSI, Iara Arantes. Habitação social em vazios urbanos: estratégia de requalificação para o centro de Curitiba/PR. Trabalho de Conclusão de Curso em Arquitetura e Urbanismo, Centro Universitário Curitiba, 2019.
Newton Goto. https://newtongoto.wordpress.com/03-cidade-vazia/
Terra de Direitos. https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/ocupasaofrancisco-debate-espacos-vazios-de-curitiba/17828
Leis Municipais. https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-complementar/2009/8/74/lei-complementar-n-74-2009-cria-incentivos-fiscais-para-recuperacao-de-edificacoes-e-dinamizacao-da-area-do-entorno-do-paco-municipal-e-da-outras-providencias
Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/cidadaos-vao-a-luta-por-espacos-urbanos-de-curitiba-9eclplzyunltk6687jhqajxou/
Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/praca-de-bolso-sera-inaugurada-na-segunda-edve36lfr72c08bq53yz9uw5q/
5 comments
Sempre que passo na frente, fico imaginando qual deve ser a história por trás desse gigante inacabado (ainda mais porque Curitiba não tem tantos prédios abandonados), obrigado por terem tirado essa dúvida.
Obrigado Victor! Eu também sempre me perguntei o que teria ocorrido, agora sabemos. Em breve publicaremos mais artigos sobre outros prédios inacabados.
Lecionava ali ao lado quando o prédio começou a ser construído e a paralisação das obras sempre me intrigou. Pensei que tivesse sido embargada pela Prefeitura, mas só agora, graças a essa excelente pesquisa de Diego Minella, fiquei sabendo o porquê.
Obrigado Helio! Sempre me perguntei qual a história por trás desses prédios abandonados, em breve publicarei textos sobre outros edifícios nessa situação.
Mais de 20 anos que a obra está parada. É lógico que nunca irá ser construído , seria ideal a prefeitura pegar a obra e terminar. Lançar casas populares nesses prédios ou estudantil.Pelo menos alguém iria morar nele.