Início » ARQUITETURA » ELGSON GOMES E A CONVIVÊNCIA COM FRANZ HEEP – PROJETANDO O EDIFÍCIO AMÉRICA

ELGSON GOMES E A CONVIVÊNCIA COM FRANZ HEEP – PROJETANDO O EDIFÍCIO AMÉRICA

por Giovanna Renzetti

“Quem não teve  a chance de trabalhar em regime de batalha campal tendo um alemão raivoso no comando, logo após o término da 2ª Guerra Mundial, provavelmente terá alguma dificuldade de entender como Heep tomou de assalto o mercado de trabalho de São Paulo na década de 1950 […] E para nós, seus cegos auxiliares cujo futuro seria realizado pelo trabalho árduo, ou não seria realizado de nenhuma outra maneira, aqueles anos de fato foram épicos. Aprendemos a lutar sem tréguas, no encalço das soluções válidas para a vida.”[i] Elgson Ribeiro Gomes

Ao escrever sobre o edifício América de Elgson Ribeiro Gomes, ou qualquer produção em Curitiba do arquiteto, sou levada instantaneamente a comentar sobre um dos seus principais mentores – o principal mentor – Adolf Franz Heep.

É comum na história da arquitetura fazer uma releitura dos precedentes de certo edifício, ou de certo arquiteto, a fim de compreender melhor sua produção, e é isso que pretendo fazer aqui: exibir uma personagem fundamental no desenvolvimento profissional de Elgson Gomes. Não tenho a intenção de me demorar ou discorrer sobre todo um panorama arquitetônico moderno, apenas ressaltar alguns pontos da convivência entre os dois profissionais.

Elgson Ribeiro Gomes, natural de Santa Catarina, ingressou no curso de engenharia da UFPR em 1946, porém, não satisfeito com sua formação de engenheiro, mudou-se para São Paulo, onde se inscreveu no curso de arquitetura e urbanismo da Faculdade Mackenzie. E foi na Paulicéia que conheceu o arquiteto alemão, naturalizado brasileiro, Franz Heep, passando a integrar sua equipe de projetos.

Heep, arquiteto moderno europeu, tendo convivido diretamente com figuras da Bauhaus como Walter Gropius, Marcel Breur e Ernst May, antes de sua vinda ao Brasil, foi educado no funcionalismo arquitetônico alemão, e foi essa herança que imprimiu em seus projetos em São Paulo – sendo os edifícios habitacionais os de maiores destaque – e que passou para Elgson Gomes.

Os prédios de apartamentos constituem a parcela mais significativa da produção de Heep e do momento em que Elgson trabalhou com ele, quando participou na elaboração dos projetos dos edifícios Itália, Tucuman e Lausanne, por exemplo. A partir dessa experiência, Gomes absorveu o racionalismo do arquiteto alemão, bem como sua rigorosa disciplina metodológica. Características que podemos encontrar em seu projeto para o Edifício América, onde difundiu a poética da arquitetura paulista da década de 1950. 

Em seu regresso a Curitiba, em 1959, Elgson Gomes deu início ao ciclo dos arquitetos e da difusão do panorama moderno na capital paranaense com a construção do Edifício América, em 1960. Período também de demasiado crescimento demográfico, no qual ocorreu o “boom” do mercado imobiliário.

Na capital paranaense, ao abrir seu escritório em 1959, encontrou nesse mercado imobiliário em ascensão um nicho necessitado de projetos arquitetônicos para habitações de construções verticais. Encarou essa oportunidade de maneira transformadora, construindo diversos prédios habitacionais, e exaurindo composições de plantas de 30 a 600m².

Desenvolveu a partir de sua linguagem de trabalho regrada os projetos dos edifícios América, Itália e Canadá. Comentando particularmente do projeto do edifício América, localizado entre a Rua André de Barros e a Travessa Frei Caneca, imprimiu nele seus conhecimentos aprendidos ao longo dos anos com Heep, como a geometria retangular, de acordo com o desenho do terreno e a racionalização construtiva.

Diferentemente dos projetos do Itália e Canadá, esta produção apresenta duas torres retangulares, dispostas de maneira perpendicular uma a outra. O revestimento exterior se dá pelo emprego de pastilhas brancas e algumas molduras em pastilhas bege. Instala, ainda, janelas basculantes logo acima da viga, característica constante em seus projetos.

Em relação à estrutura, segue modulação rigorosa e econômica, locando as janelas de correr de alumínio entre esses módulos. A parcela do edifício voltada para a Rua André de Barros apresenta comércio em seu embasamento, já a da Travessa Frei Caneca, o arquiteto ocupa com as vagas de garagem. Em seu coroamento, por fim, emprega grandes elementos vazados dispostos de maneira linear, característica também incorporada por conta de seus anos de trabalho em São Paulo.

É importante salientar que Elgson Gomes volta a Curitiba abrindo os caminhos para a arquitetura moderna na cidade, que também seriam percorridos por outros arquitetos migrantes paulistas. O catarinense ainda fez parte do corpo docente do recém inaugurado curso de arquitetura da UFPR, e contribuiu na formação das primeiras gerações de arquitetos paranaenses, relatando que “os alunos da Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná iniciaram o seu adestramento lá longe, muito longe desta angustia de classicismo […] Isso foi o sucesso, isso foi mérito deste Curso de Arquitetura, porque ele era novo, feito de gente nova.”[ii]

Elgson faleceu em 2014, aos 91 anos, deixando impressa sua marca na paisagem moderna de Curitiba.


[i] Palestra dada pelo arquiteto no IAB-PR em 1995;

[ii]  Idem.

REFERÊNCIAS

BERRIEL, Andréia, SUZUKI Juliana H. Memória do Arquiteto: Pioneiros da Arquitetura e Urbanismo do Paraná. Curitiba: Instituto de Arquitetos do Paraná – IAB-PR: Universidade Federal do Paraná – UFPR, 2012,

GNOATO, Luis Salvador. Arquitetura do movimento moderno em Curitiba. Curitiba:Travessa dos Editores, 2009.

JUSTE LORES, Raul. São Paulo nas alturas: A revolução modernista da arquitetura e do mercado imobiliário nos anos 1950 e 1960. São Paulo: Três estrelas, 2017.

Fotografias:
Pedro Pilati @pedropilati

ARTIGOS RELACIONADOS

Leave a Comment

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.