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Morando em uma obra do Vilanova Artigas

por Washington Takeuchi

“Ser arquiteto é um privilégio que a sociedade nos dá e que eu desempenho como se fosse um segredo, no cantinho do meu escritório, fechado com meus pensamentos e meu desenho.” Vilanova Artigas – 29 de junho de 1984.

Curitiba tem a honra de ter sido o berço do grande Vilanova Artigas, mas infelizmente conta apenas com três obras com a sua assinatura na cidade. Duas casas e um hospital.

Nas escolas de arquitetura, nos livros e na internet facilmente encontraremos farto material sobre o arquiteto e sua grande carreira/obra, essencial para a história da arquitetura no Brasil. Mas hoje abro espaço para um ponto de vista diferente, o ponto de vista de quem vive dentro de uma obra do Artigas, a amiga, arquiteta e professora Giceli Portela. Ela muito gentilmente sob o sol e de olho na sua linda casa na Rua da Paz, escreveu e enviou o lindo texto que segue.

Minha casa do Artigas

Já disse Elza Berquó: “ eu moro numa Casa do Artigas, pois mesmo sendo de minha propriedade, obedeço às intenções do arquiteto”, comenta a orgulhosa proprietária de uma das mais geniais obras do Artigas quando anda com a luminária na mão, uma vez que o projeto não propôs iluminações fixas, “a luz vai onde eu decido”!!

Sim, viver em um espaço que foi concebido na mente de alguém é viver na sua obra. Há três anos habito os espaços ensolarados projetados pelo arquiteto, ele já se faz íntimo na minha vida, seja por estudar sua obra como profissional da arquitetura, seja por percorrer todos os dias as promenades da casa vermelha.

Quando a vi pela primeira vez, era o ano 2000, meu escritório de arquitetura crescia e pedia muito espaço.  Abandonada, ela esperava por mim!  Há anos a família tentava se desfazer pois o nobre terreno no alto da XV valia muito dinheiro. Para sorte da casa, ela não foi demolida e foi transformada em patrimônio do Estado. Os sinais do abandono, enormes à primeira vista, eram nada se comparados ao tesouro contido neste paralelepípedo encrustado em meio aos arranha-céus da rua, vizinha do Mercado Municipal.

Nunca pensei que ali eu viveria os melhores momentos da minha vida. Pra começar, a casa me aproximou da família Artigas, Julio e Rosa: me acolheram como família, me convidaram a participar do mundo dos intelectuais e arquitetos  como eu não imaginava, fiquei amiga do Paulo Mendes da Rocha, que me contou minucias do amigo de tantas batalhas, historias e fábulas de um tempo que eu não vivi. Tive o privilégio de recebe-los muitas vezes nos espaços generosos desta casa. Fizemos comida na cozinha colorida, olhamos para o céu do jardim lateral, acendemos a lareira, comemos pinhão e pirogue. Ouvi do Pritzker parado em frente ao portão: “Eu não sei quando o Artigas acerta…só sei que ele nunca erra”.

A casa que me acompanha desde 2003, se reinventando a cada época, de escritório para espaço cultural, para um pequeno bistrô, para residência – sempre atraindo admiradores, estudiosos e curiosos da obra do arquiteto.

Seus espaços generosos ultrapassam os limites das funções arquitetônicas, abrigam tudo e todos; salas viraram auditórios, copas viraram bibliotecas, estúdios viraram memorial, quartos viraram salas de trabalho…e desviram, e voltam a serem espaços construídos da mais alta qualidade ambiental.

O abrigo contido na grande caixa vermelha, abriga a todos e a tudo, sem preconceitos, vive na juventude dos seus 70 anos. Tem sol no inverno, brisa e frescor no verão, abriga hoje minha família, e quase sempre um grupo de alunos curiosos para conhecer a obra do Artigas da Rua da Paz, ou a casa da professora. Não importa, uma obra do Artigas não precisa de rótulos, simplesmente existe para falar por si.

Depoimento de uma moradora!

Giceli, maio de 2020
(privilegiada “confinada” no universo da Casa do Artigas)

Fotografias: Washington Takeuchi (@wctakeuchi)

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