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O moderno fazendo morada

por Giovanna Renzetti

Houve um período na arquitetura de Curitiba de intensa troca entre a capital paranaense e a paulista, refiro-me aqui aos anos 1960, em especial. Quando o projeto de Rubens Meister para o Teatro Guairá já estava pronto e ganhava prestígio local, um grupo de arquitetos jovens e recém formados migravam para a cidade das araucárias.

Eram destemidos e vinham em busca de oportunidades profissionais, e muito projetaram. No entanto, por algum descuido, ainda não sei qual, esses arquitetos e grande parte do que projetaram caíram no esquecimento da população. Hoje, pouco se sabe sobre as inovações que trouxeram consigo, e um ou outro estudante de arquitetura sabe a quem me refiro.

Neste texto, concentro-me em um grupo em especial, os arquitetos que fundaram o escritório Forte & Gandolfi, em 1962, sendo eles: Luiz Forte Netto e os irmãos José Maria e Roberto Gandolfi.  Além do trabalho realizado no setor de desenvolvimento de projetos, ainda lecionaram no recém fundado curso de arquitetura e urbanismo da UFPR, atuaram no plano de urbanização de Curitiba, e na fundação do IAB-PR.

Dito isso, pergunto-me: por que personagens tão significativos caíram no esquecimento? Pois bem, ainda não sei a resposta. Contudo, esforço-me, a partir deste texto, para exibir uma pequena parcela da produção deste escritório – um projeto residencial – visto que, uma das bagagens que trouxeram de são Paulo para Curitiba foram inovações arquitetônicas residenciais, as quais alimentaram a arquitetura moderna da capital, ou seja, o morar moderno.

A residência Mário Petrelli foi construída em 1964, a pedido do então diretor do clube de campo Santa Mônica. Como foi o primeiro projeto encomendado aos arquitetos, imprimiram nas características espaciais, formais e estruturais seus anseios projetuais. O arquiteto Francisco Moreira, juntamente com o grupo Forte & Gandolfi, também participou da concepção deste projeto.

Luiz Forte Netto, José Maria Gandolfi e Roberto Gandolfi, todos graduados no curso de arquitetura da FAU – Mackenzie, no final dos anos 1950, mudam-se para Curitiba (em ordem cronológica distintas) e passam a participar de inúmeros concursos públicos de arquitetura, os quais abriram as portas para a encomenda de projetos particulares, como a casa Mário Petrelli.  

Ao comentar sobre este projeto, é imprescindível o conhecimento anterior de que os arquitetos beberam da fonte da arquitetura paulista dos anos 1950 e 1960, dessa forma, algumas particularidades remetem ao panorama arquitetônico da capital de São Paulo, contudo, outras são inéditas, não só na produção arquitetônica do escritório, como para o panorama curitibano da época.

Posto isso, enfatiza-se que apesar da existência de alguns exemplares modernos na paisagem da capital paranaense, como é o caso da casa projetada por Frederico Kirchgassner , as fachadas ainda eram predominantemente ecléticas (conversa para outra hora), por isso, não só o emprego do novo material – o concreto armado – chamou atenção dos moradores locais, bem como a disposição em planta dos ambientes.

Em suma, quando se muda o contexto em que se está inserido, a arquitetura, em menor ou maior grau, transformar-se-á também.

A casa de aproximadamente 600m² localizada no coração do bairro do Batel, na Rua Carmelo Rangel 444, foi construída em 1964, dois anos após a fundação do escritório. Com um terreno inclinado para o Norte, os arquitetos se aproveitaram dessa condição elaborando a casa em três níveis: o nível da rua, um meio nível dando para os fundos do lote, e o pavimento superior. Essa característica de configurar meios-níveis a favor da própria arquitetura é um atributo encontrado na arquitetura paulista das décadas de 1950 e 1960.

A partir desses três níveis a casa se configura em setor social, de apoio e íntimo. O acesso principal se dá pelo nível da rua onde estão localizados o hall, um escritório, sala de estudos, sala de jogos e um lavabo. Já no meio nível estão localizados o setor social, que abrange as salas de estar e jantar e o salão de festas, e o setor de apoio, com cozinha, sala de almoço, despensa, área de serviço, quarto chofer e instalação sanitária.

O destaque se dá para o grande vazio central que integra todos os espaços. Chegando ao pavimento superior são projetados sete quartos que se abrem para uma grande varanda com vista para o jardim posterior, banheiros, um jardim, sala e, ainda, dois quartos para empregada com acesso separado, por uma escada helicoidal externa.

Comentando sobre algumas das inovações em termos construtivos dos arquitetos, enfatiza-se a caixa d’água em concreto aparente em forma de pirâmide invertida, a cobertura em duas águas com vigas paralelas, também em concreto, que se prolongam além dos limites das empenas, criando uma proteção solar. A abertura zenital para iluminação do grande vazio central, os grandes painéis de vidro, que das salas se abrem para o jardim localizado ao fundo dos lotes, bem como o muro de pedra frontal que se estende até o interior da residência.

Uma particularidade desse grupo de arquitetos foi o uso de diversos materiais em seus projetos, como se observa nessa casa pela construção do muro de pedra, das paredes em alvenaria com pintura branca, do emprego de esquadrias em madeira, e da estrutura em concreto aparente.

Essa mistura de materiais, assim como os lanternins e gárgulas esculpidos de forma mais ornamentada em concreto, fizeram parte da construção da identidade do escritório, distanciando-se do repertório da arquitetura paulista vigente, e, consequentemente, adaptando-se ao contexto curitibano.

À vista das informações expostas acima é possível tangenciar uma pequena parcela da produção do escritório Forte & Gandolfi e sua importância para a arquitetura não só curitibana, mas paranaense, tal qual o papel desempenhado no desenvolvimento de projetos de tipologia residencial em Curitiba.

Comenta-se, também, que a casa passou por reforma ao longo dos anos, como a ampliação da garagem e sala íntima, e a construção das grades de proteção.

Por fim, faço o mesmo questionamento: o porquê do esquecimento gradual da produção desses arquitetos tão importantes para o panorama arquitetônico paranaense (e brasileiro!) … sigo sem a resposta.

Luiz Forte Netto e Roberto Gandolfi ainda residem em Curitiba. Informações sobre José Maria Gandolffi não foram encontradas.

FONTES:
PACHECO, Paulo C.B. A Arquitetura do Grupo do Paraná 1957-1980. Tese (Doutorado em Arquitetura). Porto Alegre: UFRGS; PROPAR, 2010.

SANTOS, Michelle Schneider. A arquitetura do escritório Forte Gandolfi 1962-1973. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011.

XAVIER, Alberto. Arquitetura Moderna em Curitiba. 3. ed. São Paulo: PINI; Curitiba: FCC, 1986.

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