Em 2017 consegui estabelecer um cordial contato com o Sr. Arwed Kirchgässner (filho de Hilda e Frederico Kirchgässner) e depois de várias conversas, inclusive pessoalmente, consegui acesso ao interior da Casa Frederico Kirchgässner, um importante marco para a arquitetura modernista no Brasil.
A vida e obra de Frederico Kirchgässner deve ser continuamente celebrada e relembrada, em exposições como a que aconteceu no MON, em livros como os que o Prof. Salvador Gnoato editou, incluindo o belíssimo catálogo intitulado “Kirchgässner – um modernista solitário”, que foi a fonte principal das informações que acompanharão as minhas fotos nesses posts.
Espero que curtam essa viagem aos anos 30 tanto quanto eu e espero que o legado desse arquiteto que tinha seu olhar no futuro, permaneça preservado para sempre.
Lamento profundamente a impossibilidade da família em conter os pichadores, mas os saúdo por manter o interior da casa como se o casal Hilda e Frederico ainda morassem nela e a qualquer momento aparecessem no seu terraço e por um dos pórticos, pudessem apreciar mais uma vez a bela paisagem que sempre tiveram de Curitiba.
Com o projeto “Rosto da Cidade” a casa ganhou uma pintura anti pichação, que espero, a proteja por mais tempo.
Muito antes da criação dos cursos de arquitetura na nossa cidade e antes da arquitetura modernista predominar a partir da década de 1950 no Brasil, a casa Frederico Kirgässner de 1930 é considerada o primeiro registro do modernismo em Curitiba, sendo um exemplar isolado, ombreando em pioneirismo à nomes como Gregori Warchavchik, Lucio Costa, Flavio de Carvalho, Luis Nunes e outros.
Diferente desses últimos porém, Kirchgässner projetou as suas casas para moradores específicos, ele próprio e seu irmão, para uso urbano, sem preocupação em ser um modelo a ser reproduzido.
Poeta, pintor, arquiteto, construtor, urbanista, agrimensor, Frederico Kirchgässner, nascido em Karlsruhe, Alemanha, foi trazido para o Brasil com seus pais e registrado como nascido em 12 de abril de 1899 em Ibirama, Santa Catarina.
Frederico, Anna, Frieda, Elisabeth e Bernardo, filhos de Hugo Kirchgässner e Anna Schmidt, desembarcaram em São Francisco do Sul –SC em 1906 vindos do porto de Bremem, na Alemanha. Passaram por várias localidades até instalarem-se em Curitiba.
Frederico e Bernardo estudaram na Deutcheknabeuschule do Colégio Bom Jesus. Mais tarde em 1916, seu tio, reitor da Escola Feminina de Baden Baden, ao receber seus desenhos, passou a incentivá-lo a estudar artes e arquitetura na Alemanha. Porém a primeira guerra postergou esse plano.
Em 1921 faz sua primeira viagem para a Europa, onde faz contato com intelectuais vanguardistas. De volta ao Brasil, inicia seu curso de arquitetura por correspondência pelo Sistema Karnach-Hachfeld (Selbstunterrichtsbriefe technischer Wissenschaften / Architektur e de belas artes na Deutsche Kunstschule de Berlim.
Na sua segunda viagem à Alemanha, realiza suas provas finais e obtém os diplomas em 1929. Nessa viagem conhece sua prima Hilda, com quem se casa em Baden Baden em 04/09/1929 e retorna à Curitiba.
Kirchgässner começou a trabalhar na Prefeitura de Curitiba, como desenhista, em 25 de junho de 1916, inicialmente como topógrafo e mais tarde, contribuindo com o urbanismo da cidade, permanecendo no Departamento de Urbanismo até se aposentar.
Em 1930, construiria a sua própria casa onde a 13 de Maio, Jaime Reis e Portugal se encontram, que hoje é tombada pelo estado. Considerada uma obra prima técnica e estética, sofisticada e ousada para época, cujo mobiliário em grande parte é de sua autoria.
Olhando a casa numa dimensão experimental em residência unifamiliar, essa alinha-se na América Latina às casas de Diego Rivera e Frida Khalo no México, as de Warchavchik em São Paulo e as de Alberto Prebisch em Buenos Aires.
No terreno com apenas 318 m2, numa das partes mais altas da cidade, construiu a casa num bloco único, tendo apensa um dormitório, com paredes duplas de alvenaria, num total de 568 m2 e quatro níveis, cujas plantas não se repetem.
Os dois níveis superiores abrem-se para terraços, sendo o acesso deles feito a partir do quarto do casal.
Os terraços possuem laje dupla de concreto, tendo o maior deles, um grande espaço com pórticos de inspiração art déco que emolduram a passagem. Uma dessas paisagens era a Serra do Mar, que foi perdida com o crescimento da cidade.
A entrada principal da casa fica na Jaime Reis, num pequeno vestíbulo que dá acesso a uma área de circulação, dando acesso então, ao nível inferior e a suíte do casal, algo inédito na cidade em 1930.
Nesse mesmo nível há um escritório que foi mais tarde adaptado para servir de quarto para os dois filhos do casal.
Todas as esquadrias contam com um sistema sofisticado duplo em madeira e vidro, que se abrem completamente em guilhotina, correndo entre as paredes duplas.
Numa espécie de torre que contém a escada helicoidal para o terraço superior, encontram-se esquadrias metálicas com vidros curvos coloridos. No alto dessa escada chegaremos ao atelier do arquiteto, onde há uma escrivaninha e estantes com muitos livros.
O atelier liga ao terraço maior, onde estão os pórticos. Uma escada marinheiro leva ao menor e mais alto dos terraços.
De volta a área de circulação da entrada ao descer a escadaria, chega-se ao nível da casa onde há uma sala de refeições e a cozinha corredor, um conceito de vanguarda, que foi projetada para ser utilizada pelos moradores e não por empregados, algo inédito para um Brasil que demorou para superar sua herança colonial.
No mesmo nível encontraremos ainda uma sala de estar íntima e além dessa, uma ampliação executada ainda em 1930, utilizada como atelier do casal, iluminado por uma esquadria curva e uma iluminação zenital. Ali estão a maioria das obras do casal.
A segunda grande guerra e suas manifestações anti-germânicas, a não compreensão por parte dos moradores de Curitiba da sua visão vanguardista, o fizeram recolher-se ainda mais como arquiteto e assim, não teve muitas possibilidades de desenvolver outros projetos além da sua casa e de seu irmão e do prédio da rua Portugal, dedicando-se assim mais ao urbanismo.
Frederico Kirchgässner faleceu em Curitiba em 19 de agosto de 1988.
Fotografia: Washington Takeuchi
2 comments
[…] alguns exemplares modernos na paisagem da capital paranaense, como é o caso da casa projetada por Frederico Kirchgassner , as fachadas ainda eram predominantemente ecléticas (conversa para outra hora), por isso, não […]
Excelente artigo, conhecer a casa de Kirchgäsner por dentro foi sensacional ! Parabéns!