“A proposta de romper a barreira arte/vida, dissolver a arte na vida, é um esforço para superar o desequilíbrio entre a expressão da individualidade e o campo do universal. Se a vida será reafirmada como experiencia sensível, deve ao mesmo tempo tornar-se clara e ordenada, efetivamente racional. Sensibilidade governada pela razão. A forma, enquanto percepção imediatamente solúvel, será ao mesmo tempo a razão em ato”.i
Por muito tempo na historiografia da arquitetura paranaense as residências projetadas pelo escritório Forte e Gandolfi na década de 1960 ficaram escondidas na penumbra dos projetos desenvolvidos para os concursos públicos. O porquê eu não sei. Mas me esforço para trazê-las à luz, exaltando a complexidade plástica de cada uma e contribuindo para um contexto histórico- arquitetônico mais amplo da nossa capital. Dito isso, compartilho hoje com vocês o projeto da residência Ayrton Araújo.
Construída em 1965 e projetada pelos arquitetos Luiz Forte Netto, José Maria e Roberto Gandolfi, a casa localizada no bairro do Batel ocupava um terreno de aproximadamente 1000m², digo ocupava aqui com tristeza, pois o projeto foi demolido. Porém, não inibindo sua importância arquitetônica espacial, estrutural, plástica e histórica, a casa foi dividida em três setores bem demarcados: social, íntimo e de serviço. Com certa permeabilidade visual entre eles.
Aqui eu poderia muito bem explanar sobre a disposição dos ambientes, a quantidade de quartos e o emprego dos terraços – o que não está errado – mas não o farei. Pois independentemente da estrutura de concreto armado utilizada, da laje intermediária em caixão perdido, da laje de cobertura nervurada e do prolongamento das vigas longitudinais além dos limites das empenas frontal e superior, o que me chama mais atenção nessa casa foi o emprego do muro de cerâmica (com motivos geométricos desenvolvidos pelos arquitetos) que delimita o corredor de serviços e se estende até a fachada da casa.
Isso porquê estamos de frente a uma relação arquitetura X arte, onde o arquiteto assume o papel de artista total da obra: “A unidade entre o mundo sensível e o universo da razão – a relação arte/técnica – é o projeto da vertente construtiva da arte moderna, especialmente da arquitetura e do urbanismo do século 20’’.ii
Nesse projeto os arquitetos não se desafiaram apenas tecnicamente, ao empregar a estrutura de concreto armado, e espacialmente – com a disposição dos ambientes – mas também plasticamente, concluindo a obra com um muro cerâmico decorado e se utilizando da plasticidade do concreto ao esculpir gárgulas em formatos troncocônicos. A casa também se tornou um símbolo de expressão da vida moderna, onde o espaço privado e vida urbana se comunicam, criando uma “complexa conexão entre forma e conteúdo”.iii
E ao se posicionarem de tal maneira flertaram entre o projetar racional e o mundo emocional, unindo a técnica à subjetividade da composição geométrica do muro, portanto “não se trata de referir a arte simplesmente ao mundo da técnica, algo como a atualização da cultura ao mundo moderno […] a racionalidade do mundo industrial é que deve ascender às finalidades da arte”.iv
Assim, rompeu-se a barreira entre arte e vida, tendo em vista que o projeto toma partido da razão subjetiva da técnica, encarando a casa como laboratório experimental da vida moderna, integrando rotina, construção e arte.
i TELLES, Sophia S. A arquitetura modernista. Um espaço sem lugar. In:
GUERRA, Abílio (Org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna
brasileira: v.1. p. 23. São Paulo: Romano Guerra, 2010.
Notas:
ii Idem
iii RECAMÁN, Luiz. As virtualidades do morar: o espaço impossível da casa.
Comentando a bibliografia sobre Vilanova Artigas. pós v3, n 40, p.52-60. São
Paulo, 2016.
iv TELLES, Sophia S. Op cit. p. 23.
Referência:
TELLES, Sophia S. A arquitetura modernista. Um espaço sem lugar. In: GUERRA,
Abílio (Org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna brasileira: v.1, p. 23-34. São Paulo: Romano Guerra, 2010.
RECAMÁN, Luiz. As virtualidades do morar: o espaço impossível da casa.
Comentando a bibliografia sobre Vilanova Artigas. pós v3, n 40, p.52-60. São Paulo,2016.
XAVIER, Alberto. Arquitetura Moderna em Curitiba. São Paulo: Pini – Curitiba: FCC, 1985.
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Inacreditável que foi demolida, que lástima!